Relicário 4 Christo
Ano 2012
Materiais MDF Contraplacado e tecido
Dimensões 40X50X25
Local Atelier Santa Comba
RELICÁRIOS
INTERIORES DA MEMÓRIA
Esta nova fase de trabalho coincidiu com a mudança para um atelier maior e essa melhoria de espaço e equipamento condicionou, de forma inversa, a dimensão das peças pois, paradoxalmente, regressei a uma disciplina já anteriormente experimentada - o pequeno formato.
Vivemos atualmente num mundo global, de produção em série e essa realidade pesou na escolha de um processo de repetição e de construção de espaços interiores idênticos.
Tendo-o como referência, construi repetitivamente pequenas peças com peso aceitável para uma espécie de esquema “take away”.
As memórias que invadem o nosso pensamento e as referências que inconscientemente encontramos ou conscientemente elegemos sempre me motivaram, tornando-se elemento de homenagem, reflexão e trabalho.
O trabalho oficinal absorve muito tempo e durante esse período de laboração, as formas surgem como uma obsessão, justificando sempre a vontade, subvertendo e atraiçoando muitas vezes a intenção e o discurso.
A opção de prender num espaço “íntimo” memórias de algumas referências e o reconhecimento que delas tinha para a minha forma de trabalhar, pareceu-me adequado.
A casa, a janela, a fronteira, o espaço nosso, resguardado, os objetos íntimos, as referências históricas e as memórias improváveis, as imagens ocultas no subconsciente, são as peças que nos trazem as formas e o puzzle que, silenciosamente, nos alimenta.
A atitude autossuficiente e a procura insistente e depurada de Brancusi, a conquista linear do espaço em Giacometti, a imponderabilidade de Calder, a eleição do percurso e abertura ao espaço em Smithson, a intervenção na paisagem em Long e, de alguma maneira, o “readymade” mesmo sem Duchamp, a ortogonalidade de Lewit, os cabos, as amarras e a atitude interventiva de Christo ou a subversão da escala em Oldemburg.
A criação de espaços de homenagem ou de veneração, deste relicário da memória, foi o passo seguinte e a subversão da escala e o cenário são como que o registo de sonhos e elemento dessa memória pouco clara, dessa expiação inconsciente.
Com estes elementos formo e construo a intenção que se desenha no objeto concreto, como simulação obsessiva de gestos impossíveis.
Dessa espécie de viagem global ao encontro da quimera concreta, nunca concluída, utopicamente efetiva, que nutre a inquietação; desse intimismo e recolhimento “voyeur“ de um espaço, receptáculo de paisagens interiores ou referências latentes, aparentemente esquecidas.
Interiores mostrando uma passagem, adivinhando e escondendo espaços, respondia também a um aspecto importante que me tem ocupado, que é saber o que se passa para além da memória, depois do limite, para além da fronteira, do horizonte que persiste na procura.
Estes relicários são feitos de acasos e memórias, cortando, montando, colando, construindo, jogando, tentando não perder a memória das construções de infância, como que num regresso lúdico ao quarto dos brinquedos.
Desse processo, ainda presente, dou hoje conta. O ciclo não se fecha. O caminho não termina, apenas permanece adormecido, latente, e o manuseamento dos materiais e o gesto, transporta connosco outros ciclos, outros círculos.
Mas a altura do confronto para além de imperiosa é inevitável e senti que era chegado o momento.
Carlos Marques Janeiro 2013